A minha alma partiu-se como um vaso vazio. Caiu pela escada excessivamente abaixo. Caiu das mãos da criada descuidada. Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
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Asneira? Impossível? Sei lá! Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu. Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
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Fiz barulho na queda como um vaso que se partia. Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada. E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
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Não se zanguem com ela. São tolerantes com ela. O que era eu um vaso vazio?
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Olham os cacos absurdamente conscientes, Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
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Olham e sorriem. Sorriem tolerantes à criada involuntária.
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Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas. Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros. A minha obra? A minha alma principal? A minha vida? Um caco. E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.
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Álvaro de Campos, in "Poemas" Heterónimo de Fernando Pessoa
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